Sharline Freire

Estudante de jornalismo e redatora

A máfia no cinema: a violência, os homens e as mulheres

Originalmente publicado em: https://www.queridoclassico.com/2022/08/a-mafia-no-cinema-violencia-os-homens-e-as-mulheres.html

É extremamente previsível, principalmente na comunidade cinéfila, um homem dizer que seu filme favorito é O Poderoso Chefão (1972), Os Bons Companheiros (1990) ou até mesmo outros clássicos como Pulp Fiction (1994) e Scarface (1983). Essas obras são quase sempre citadas na lista de melhores filmes de todos os tempos.Mas é considerado comum uma mulher dizer que Era Uma Vez Na América (1984) é seu filme favorito da vida? Filme esse que contém mulheres sendo sexualizadas, violentadas e resumidas a par romântico do homem criminoso? Esse tipo de representação com as personagens femininas não é vista apenas no filme dirigido por Sergio Leone, mas sim em quase todos do gênero.Quando se trata da máfia no cinema, há muitas chances de nos deparamos com uma imagem mental de Robert DeNiro, Al Pacino e outros grandes astros interpretando latinos, estadunidenses ou descendentes de italianos querendo ter o respeito e o próprio legado no crime. Todos os protagonistas são homens e todos são violentos. Principalmente com seus rivais, geralmente sendo concorrentes de seus negócios ilegais (afinal, é a máfia, então é claro que a violência e o crime são fatores comuns, até mesmo necessários) e também, obviamente, com as mulheres, que costumam ser as esposas ou amantes desses protagonistas...


30 anos de Arquivo X: a fé e a busca pela verdade

Originalmente publicado em: https://www.queridoclassico.com/2023/09/arquivo-x-fe.html

Há 30 anos, no dia 10 de setembro de 1993, o primeiro episódio de Arquivo X (The X-Files, no original) foi lançado nos EUA. A série de televisão estadunidense criada por Chris Carter tornou-se um clássico no gênero da ficção científica não só pela sua icônica música de abertura, mas também pelos diversos episódios que exploram o sobrenatural e a fé por algo maior que o mundo que nos cerca.Sabemos que Arquivo X sempre bateu na tecla da verdade. Ao longo da franquia — a série de 9 temporadas, 2 filmes e mais o revival com 16 episódios — temos o ponto central apresentando uma busca por uma possível grande resposta e revelação, tanto que as frases "The truth is out there" (A verdade está lá fora) e "I want to believe" (Eu quero acreditar) evidenciam a fé dos personagens durante as jornadas de Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson) ao ponto de tornarem-se slogans famosos da cultura popular na década de 1990 até os dias atuais...


Tom e Greg: uma leitura queer da 4ª temporada de Succession

Originalmente publicado em: https://deliriumnerd.com/2023/07/17/tom-greg-queer-succession-4a-temporada/

Succession, série estadunidense da HBO criada por Jesse Armstrong, nos mostra a história dos Roys, uma família de bilionários e donos de um dos maiores conglomerados de mídia do mundo, a Waystar Royco, empresa que atua nos noticiários, meios de entretenimento, parques de diversão e cruzeiros marítimos.Durante cinco anos, fomos prestigiados com excelentes roteiros, cinematografia, trilha sonora e um elenco de peso. Nomes como Brian Cox, Jeremy Strong, Sarah Snook, Kieran Culkin, Alan Ruck, Matthew Macfadyen, Nicholas Braun e J. Smith-Cameron brilharam ao performar alguns dos melhores personagens de TV desta década.No seu inevitável fim, acompanhamos a disputada eleição pela presidência dos EUA e a luta pela possível venda da Waystar Royco, onde Logan Roy não só está contra seus três filhos, Kendall, Roman e Shiv, mas também prestes a bater as botas de uma vez por todas.As consequências desses núcleos se tornam completamente devastadoras para os irmãos Roys e também para nosso querido casal: Tom Wambsgans e Greg Hirsch, que se divertiram bastante estragando tudo na última grande dinastia americana. E tudo isso para sobreviverem à grande guerra de Succession, que nunca foi uma história somente sobre Roys...

Tom e Greg: uma leitura queer da 4ª temporada de Succession

Originalmente publicado em: https://deliriumnerd.com/2023/07/17/tom-greg-queer-succession-4a-temporada/

Succession, série estadunidense da HBO criada por Jesse Armstrong, nos mostra a história dos Roys, uma família de bilionários e donos de um dos maiores conglomerados de mídia do mundo, a Waystar Royco, empresa que atua nos noticiários, meios de entretenimento, parques de diversão e cruzeiros marítimos.Durante cinco anos, fomos prestigiados com excelentes roteiros, cinematografia, trilha sonora e um elenco de peso. Nomes como Brian Cox, Jeremy Strong, Sarah Snook, Kieran Culkin, Alan Ruck, Matthew Macfadyen, Nicholas Braun e J. Smith-Cameron brilharam ao performar alguns dos melhores personagens de TV desta década.No seu inevitável fim, acompanhamos a disputada eleição pela presidência dos EUA e a luta pela possível venda da Waystar Royco, onde Logan Roy não só está contra seus três filhos, Kendall, Roman e Shiv, mas também prestes a bater as botas de uma vez por todas.As consequências desses núcleos se tornam completamente devastadoras para os irmãos Roys e também para nosso querido casal: Tom Wambsgans e Greg Hirsch, que se divertiram bastante estragando tudo na última grande dinastia americana. E tudo isso para sobreviverem à grande guerra de Succession, que nunca foi uma história somente sobre Roys.TOM, GREG E A FAMÍLIA ROY NA QUARTA TEMPORADA DE SUCCESSIONA última temporada começa com o aniversário de Logan, um paralelo quase direto ao início da série. Mas diferente da primeira temporada, onde apenas os familiares realmente próximos estavam na casa do patriarca para a comemoração, nessa última temporada temos um Logan Roy sem seus três filhos, Kendall, Roman e Shiv, e com vários rostos desconhecidos no apartamento, reforçando o quão dividida a família está naquele momento.Enquanto os irmãos Roys tentam fazer novos negócios e Greg está na festa de aniversário de Logan, descobrimos que Tom estava em uma “reunião pessoal” com Naomi Pierce (Annabelle Dexter-Jones), ex-namorada de Kendall. Tom avisa a Shiv sobre o encontro e fica evidente que mesmo lutando contra isso, ela fica abalada com a situação.O intrigante é que Tom já deixou claro que não gosta dessa relação aberta e o quanto isso lhe faz mal. Mas agora que está do lado de Logan, ele sabe que precisa ser um tipo específico de pessoa. Tom precisa ser um Roy. Isso significa que como ele está se sentindo e o que ele quer fazer de verdade não importa naquele momento, porque isso é não é o que a família Roy faria.Tom não age assim porque é um desejo natural, ele faz porque sabe que precisa fazer isso. Ele quer que Shiv continue no chão após empurrá-la da escada, mas ao mesmo tempo ele se sente fraco porque seu coração não quer verdadeiramente fazer isso.Logo no primeiro episódio, ele deixa claro que pensa na possibilidade do divórcio e até menciona sobre isso a Logan.Greg e Tom não são como os Roys, eles não foram criados nesse meio e por isso, mesmo tentando ao máximo agir como um Roy, eles não conseguem. É notório que no decorrer dessas quatro temporadas houve momentos de felicidade genuína entre os dois, quando ambos estão sozinhos e podem ser eles mesmos.É diferente da dinâmica que os quatro irmãos Roys têm entre si. Não é algo tão agridoce e tão voltada a Waystar, porque Tom e Greg não estão totalmente quebrados e traumatizados como os Roys. Eles têm algo ali que os une apesar de todas as traições e mentiras.Toda vez que Tom tenta demonstrar um amor genuíno a Shiv, ela o faz sentir que ele fez algo de errado e isso o causa um tremendo dano emocional. Por isso, nesta temporada, Tom começou a se comportar de uma maneira que a atingiria, mas isso também o atinge, porque ele não é assim de verdade. Ele não é como ela ou como Logan.THE DISGUSTING BROTHERS: OS IRMÃOS ASQUEROSOSNa festa de Logan, temos os primeiros momentos tomgreg da temporada. Greg traz sua nova namorada à festa e Tom fica menosprezando ela na maior parte do tempo, falando da sua bolsa enorme, sua maneira de comer ou sua maneira de agir.Quando Greg e ela fazem sexo em um dos quartos de hospedes de Logan, Greg vai imediatamente contar para Tom, que acaba pedindo uma explicação em detalhes de como o ato foi executado.O interessante é que nessa cena eles estão muito próximos e sussurrando um para o outro, deixando uma tensão sexual bem aparente. Tom até pergunta se “eles chegaram a concluir o ato”. Por que Tom quer saber disso? Talvez eles sejam mesmo os irmãos asquerosos.E por outro lado, o primeiro encontro entre Tom e Shiv também é curioso. Os dois conversam sobre o casamento de maneira bem dura e difícil, e começam isso falando sobre Greg e o apelido “disgusting brothers”.“Tudo bem. Você quer conversar?”“Fiquei sabendo que o Greg chama vocês de ‘the disgusting brothers’ agora. Muito legal. Vocês têm uma logo? Já escreveram as regras? O Greg é seu copiloto?”“Às vezes tomamos um drinque, Shiv”É muito interessante como esse diálogo pode ser interpretado, porque a maneira que Shiv fala nos dá a impressão que não seria totalmente sem sentido afirmar que os dois estão discutindo sobre “a amante” de Tom, que no caso é o Greg.A MORTE DE LOGANEnquanto Greg está no casamento de Connor e Willa (Justine Lupe), Tom precisa acompanhar Logan em mais uma das importantes viagens de negócios. No entanto, o que ninguém esperava, muito menos o público, era que aquela seria uma viagem só de ida para Logan, já que ele acabou falecendo dentro do avião particular.Connor continua o casamento mesmo assim, Kendall, Roman, Shiv ficam devastados, e Tom, que estava ao lado de Logan, entra em um quarto vazio para ligar para Greg. Ele dá instruções importantes, mas tudo o que Greg pergunta é sobre o bem-estar de Tom.“Você está bem?”“Eu não estou bem. Eu não estou bem. Estou triste, me desculpa. Que desgraça. Sei lá, foi horrível, cara”“É, é horrível”“Eu perdi o meu protetor”Tom eventualmente encerra a conversa, mas não consegue encerrar a ligação. Ele espera que Greg faça isso em seu lugar.Sem um protetor e com Kendall e Roman assumindo como novos CEOs, a dupla precisa se esforçar ainda mais para se manter na guerra. Então, na viagem para Noruega, quando uma lista de cortes é feita, Tom e Greg trocam informações e traçam estratégias para agradar a equipe da GoJo e terem seus nomes salvos depois da aquisição.TOM E SHIV: NÃO HÁ MANHà DE GLÓRIA, ERA GUERRA, NÃO ERA JUSTO E NÓS NUNCA VOLTAREMOSDepois de ficarem cinco episódios separados, praticamente na fase de pré-divórcio, Tom e Shiv passam a se envolver novamente. Eles ficam juntos em uma festa e acabam conversando sobre o futuro da Waystar nas mãos de Matsson, mas obviamente a conversa não para por aí.Eles começam a falar sobre o casamento com um diálogo essencial para entender a dinâmica não só de Tom e Shiv, mas também futuramente de Tom e Greg, porque Tom fala que o importante sempre foi o dinheiro:“Toda a minha vida, eu sempre pensei em dinheiro. Em como ganhar dinheiro, em como guardar dinheiro […] E eu amo muito, muito minha carreira e meu dinheiro. Sabe, os meus ternos, os meus relógios e claro, eu gosto de coisas boas, eu gosto.Se você acha que isso é fútil, jogue suas coisas fora por amor. Joga no lixo os seus colares, as suas joias para ter um encontro em um restaurante de três estrelas. Vem morar comigo em um trailer, sim? Você vem?”“Eu iria atrás de você em qualquer lugar por amor, Tom Wambsgans”Quando Tom e Shiv voltam a se aproximar mais, é claro o quanto Tom vai ficando mais e mais exausto fisicamente e emocionalmente. Ele comenta diversas vezes no sétimo episódio o quão cansado está e isso pode ser não só pela eleição, mas por tentar voltar para sua relação insatisfatória com Shiv.Na sacada, quando os dois acabam discutindo novamente, Tom fala: “Não é minha culpa que você não conseguiu a aprovação dele [de Logan]. Eu te dei toda a minha aprovação e isso não foi suficiente porque você está quebrada”. É extremamente difícil para Shiv aceitar o amor de Tom, não só por causa de Logan, mas provavelmente porque ela está em constante tensão por ser mulher.Essa é a sua maior fraqueza, pois não há espaço para mulheres na Waystar Royco, já que a empresa é o próprio Logan Roy, que nunca conseguiu entender e amar as mulheres da sua vida. E querendo ou não, também não há espaço suficiente para uma pessoa queer na empresa.É por isso que o relacionamento deles não funciona, ambos ficam quebrados juntos. Quando Tom está com Shiv, ele está sempre cansado, ele não dorme, o vinho deles tem um gosto terrível, não vemos os dois comendo juntos e eles não parecem ter muito prazer com o sexo.Essa última parte fica clara com a cena de troca de mensagens tediosa sobre “a olimpíada dos orgasmos”.Mas quando Tom passa tempo com Greg, sempre vemos ele satisfazendo suas necessidades básicas: comida, toque, diversão e controle. Os dois comem juntos, eles brincam, fazem piadas, têm um carinho casual em muitas interações e há diversos toques discretos entre eles.E nessa última temporada, temos Greg sendo uma voz constante de segurança para Tom. Greg pergunta se ele está comendo, dormindo e se sentindo bem. Ele sabe que Tom está sofrendo no casamento e pergunta se ele quer traçar estratégias (coisa que o próprio Tom já disse que acha muito sexy) e ferrar com Shiv (coisa que o próprio Greg faz nas eleições quando conta o segredo dela a Kendall).Greg também liga para Tom no funeral de Logan para saber onde ele está e certifica que o Presidente dos Estados Unidos saiba o nome dos dois como uma equipe. Isso sem esquecer quando Tom fala como ele está tenso por causa da eleição e Greg oferece algo para relaxar. No começo, a cena é muito vaga sobre o que exatamente Greg está oferecendo e isso cria um clima erótico gritante.É quase certo que metade da audiência acreditou que finalmente algo sexual entre eles iria acontecer ali, mas infelizmente ele só oferece cocaína (que inclusive Greg cheira pela mão de Tom).No roteiro da série está escrito que Tom sente toda a gama de emoções humanas em relação a Greg e que “ele não pode deixar ninguém entrar ou ele morrerá”. Isso deixa claro que é difícil para ele expressar essas emoções, então ele faz à sua maneira, que às vezes não é a melhor de todas, mas ainda assim é a única que ele consegue.Tom grita: “O Samson não, Greg! O Samson não! Não! Eu quero você ‘Gregando’ para mim!“, mas ele ainda não consegue dizer o verdadeiro motivo do porquê precisa ser especificamente Greg e mais ninguém.A única vez que ele mostrou suas verdadeiras emoções e se permitiu ser vulnerável para Greg foi quando ele ficou sozinho em um quarto, no dia que Logan faleceu, e Greg não conseguia ver seu rosto pelo telefone.Sabemos que Greg tem sido a luz que guia Tom pela escuridão, assim como também sabemos que ele é o fogo que causou o incêndio dessa última temporada.TOM & GREG: "SEMPRE SE LEMBRE, NÓS QUEIMAMOS PARA MELHORARMOS"No último episódio da série, vemos os dois lados lutando pela Waystar Royco. Enquanto Kendall Roy quer impedir a venda, Lukas Matsson (Alexander Skarsgard) quer comprá-la e colocar um CEO americano para ser seu mais novo fantoche.Quando Tom descobre que Matsson não quer Shiv como o CEO americano e oferece a ele esse cargo, tudo parecia perfeito, mas Greg acaba sabendo dessa informação. Mas ao tentar se dar bem independente do que acontecesse no fim, ele diz a Kendall que Matsson estava descartando Shiv e procurando outras opções.No entanto, Greg não menciona o Tom. Shiv pergunta a Kendall sobre quem seria o CEO americano e ele responde que poderia ser Lawrence. E quando Tom pergunta especificamente a Shiv quem poderia ser, ela fala sobre o Lawrence também.Greg não menciona sobre Tom porque ele estava jogando em ambos os lados e queria se dar bem independente de quem ficassem com a Waystar Royco no final. Ou seja, Greg não estava tentando ferrar o Tom, mas o Matsson. Greg tinha informações valiosas e estava tentando usá-las da maneira que Tom o ensinou.E esse é um dos vários motivos para Tom o perdoar no final. Ele estava orgulhoso. Quando pensamos que Greg tinha destruído tudo entre eles após a gratificante briga com tapas no banheiro, descobrimos que Tom se importa tanto com Greg que uma traição não faria diferença, não mudaria isso.Tom recebe Greg de volta, ele garante uma vaga para seu Esporo e comete o gesto mais romântico da série ao proclamar Greg como seu, colocando um adesivo no mesmo lugar que o beijou na terceira temporada.“Você é um grande pedaço de merda. Mas você está comigo. Eu tenho capital suficiente. Você está comigo.”Tom sacrifica as suas reivindicações da riqueza de Logan. Ele usa o adesivo roxo não para ficar com as mobílias, os produtos ou os objetos valiosos e caros do apartamento. Mas ele coloca no corpo de Greg, que é possivelmente a única coisa que ele cobiça, deseja e precisa da propriedade Roy.Não há, literalmente, nenhuma razão para Tom manter Greg após sua “traição”, exceto pelo fato de que ele escolheu castrá-lo, protegê-lo e amá-lo. Porque fora isso, ele sabe que Greg não tem valor comercial para ele, nem mesmo uma lealdade real.Tom o salva e o coloca no topo para quê? Por que levar Greg? Por que ajudá-lo? Por que não recrutar outras dezenas de Gregs como cães de ataque? Ah, sim. Porque não importa o que aconteça, Tom sempre cuidará de Greg.A maneira como Tom não tinha certeza se queria ficar com Shiv, mas tinha certeza absoluta de que queria ficar com Greg é tão maravilhosamente satisfatória, porque Tom disse que escolheria o dinheiro em vez de seu amor por Shiv. Mas Tom não coloca um adesivo em um bem material do apartamento, apenas coloca um adesivo em Greg.Tom perdoa Greg com a luz do dia preenchendo aquele espaço e depois vai ao subsolo escuro no estacionamento com Shiv. Os dois vão continuar em um casamento sem amor e Tom aceita isso agora porque é conveniente, porque tem o pretexto de ser para um “bem maior”, mas ele realmente empurrou sua esposa escada abaixo e então, casou-se com seu assistente executivo.TOM & GREG: "EU JURO QUE SEMPRE SEREI SEU, PORQUE SOBREVIVEMOS À GRANDE GUERRA"Tom e Greg sempre estarão juntos no final, porque eles sobreviveram à Grande Guerra de Succession. Muitos telespectadores não veem eles como vitoriosos, e tudo bem, mas é inegável que eles são sobreviventes.Talvez não como um casal de verdade, mas como uma aliança, como uma dupla inseparável que uniram forças porque somente eles gostam verdadeiramente um do outro. Não só por negócios, não só por ambição, mas por outros simples sentimentos.Entre os dois há intimidade, violência e afeto. Há algo belo e cômico de um jeito feio e deprimente. Há calor e frio, há lealdade e traição. E há também a história romana e alegorias bíblicas sendo usadas para descrever os dois ao longo de toda a série. Mas nem isso tudo foi o suficiente para explorar toda a complexidade dessa relação. Não é um relacionamento perfeito e nem deveria ser. Por isso que é tão atraente.Não importa se os Roys estão presos no ciclo de abuso e destinados à miséria ou algo pior do que a própria morte. Afinal, TomGreg sobreviveu e venceu.

30 anos de Arquivo X: a fé e a busca pela verdade

Originalmente publicado em: https://www.queridoclassico.com/2023/09/arquivo-x-fe.html

Há 30 anos, no dia 10 de setembro de 1993, o primeiro episódio de Arquivo X (The X-Files, no original) foi lançado nos EUA. A série de televisão estadunidense criada por Chris Carter tornou-se um clássico no gênero da ficção científica não só pela sua icônica música de abertura, mas também pelos diversos episódios que exploram o sobrenatural e a fé por algo maior que o mundo que nos cerca.Sabemos que Arquivo X sempre bateu na tecla da verdade. Ao longo da franquia — a série de 9 temporadas, 2 filmes e mais o revival com 16 episódios — temos o ponto central apresentando uma busca por uma possível grande resposta e revelação, tanto que as frases "The truth is out there" (A verdade está lá fora) e "I want to believe" (Eu quero acreditar) evidenciam a fé dos personagens durante as jornadas de Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson) ao ponto de tornarem-se slogans famosos da cultura popular na década de 1990 até os dias atuais.SCULLY E MULDER: A FÉ CRISTÃ E A FÉ NO SOBRENATURALLogo no primeiro episódio, sabemos que Scully foi trabalhar na unidade Arquivo X do FBI para oferecer um equilíbrio científico com evidências concretas às investigações paranormais de Mulder. Os personagens são colocados quase como opostos dentro da série e a beleza da dinâmica entre eles é que, à medida que os episódios avançam, vemos Mulder e Scully moldarem as visões de mundo um do outro e trazerem aspectos diferentes dos casos por meio desse relacionamento único de yin e yang dos dois.Temos vários episódios, personagens e arcos de Arquivo X que discutem religião, já que um dos pontos principais da série é o fato de Mulder ser um crente do sobrenatural e de tudo que envolve os alienígenas e outras criaturas, ao mesmo tempo que Scully é cética acerca desses fenômenos e prefere sempre utilizar a ciência exata para defender qualquer afirmação nos casos em que os dois trabalham.No entanto, mesmo sendo uma mulher da ciência, Scully deixa claro que sua crença em Deus é muito importante na sua vida, mas essas crenças nunca são colocadas como contraditórias ao seu trabalho na medicina. Na verdade, é muito claro que a fé de Scully pode impulsionar o seu trabalho como uma agente inteligente e habilidosa, e não o contrário.Há vários episódios que tratam sobre a fé de Scully, sua missão na vida e suas dúvidas em relação a Deus, assim como acompanhamos também Mulder duvidando das questões cristãs e vendo a religião por uma perspectiva muito mais negativa, acreditando que alguns atos religiosos são feitos por conta da insanidade e alienação dos fiéis.Só que assim como Scully, o ceticismo de Mulder não o impede de ter fé no sobrenatural. No decorrer da série, vemos o porquê isso é tão forte e importante no personagem, não só por conta do seu passado, mas também pela necessidade por respostas e por algo maior.Temos dois personagens depositando sua fé em diferentes coisas e sendo céticos com essas mesmas coisas também, e é isso que faz de Scully e Mulder personagens tão complexos. A fé cristã dela e a fé no sobrenatural dele movem discussões sobre religião, o sobrenatural e a verdade que está lá fora, como nos episódios “Conduit”, “Beyond the Sea”, “One Breath”, “Elegy” e “All Souls”, “Revelations”, “Miracle Man” e muitos outros.O CRISTIANIAMO EM ARQUIVO XO fato de Chris Carter, o criador da série, ser cristão é bem importante, porque seu cristinismo tem uma forte influência na trama, e, sabendo disso, fica mais fácil de entender o porquê de a série explorar a fé em diversos episódios.
Há muitas imagens religiosas e paralelos com histórias da Bíblia em Arquivo X, como a morte e o renascimento de Mulder, a gravidez “milagrosa” de Scully e os três homens sábios trazendo presentes para ela. No entanto, Carter não está interessado em fazer proselitismo com o público. Na verdade, ele parece estar questionando a sua própria fé em muitos episódios. Uma série cristã nunca traria, por exemplo, questionamentos da existência do livre arbítrio e a capacidade de escolher não pecar, assim como uma série cristã provavelmente também não exploraria a ausência de Deus e enalteceria a ciência e os métodos científicos.
Então fica bem claro que Arquivo X não se trata de uma série cristã, mas sim de uma série de ficção científica que explora a fé e a razão trabalhando juntas, e isso é algo que atrai tanto os agnósticos quanto os cristãos ou ateus, porque a série pode ser interpretada como uma tentativa de equilibrar a fé em Deus e ainda a fé na ciência e no paranormal de uma maneira que não tenta te vender a ideia de que você também deveria acreditar.TODOS NÓS QUEREMOS ACREDITAR“Eu quero acreditar” é provavelmente o refrão mais popular da série, isso porque a frase resume bem o desejo dos personagens de explorar o desconhecido, seja ele no planeta Terra ou no espaço sideral, na ciência ou no sobrenatural. Arquivo X consegue desenvolver muito bem a maneira que a crença pode definir a nossa compreensão de mundo e de quem somos, e como as nossas relações e outras experiências de vida também podem moldar as nossas crenças.Na série, fica claro que sem o ceticismo de Scully, a crença de Mulder no sobrenatural não seria fortalecida, e sem a insistência de Mulder por respostas não tão convencionais, a compreensão de mundo da Scully não teria se desenvolvido. Por isso que, à medida em que Mulder e Scully aprendem um com o outro, eles ficam cada vez mais próximos das respostas que Mulder buscou ao longo de toda a sua vida.No final da série, vemos Mulder ter conhecimento da verdade sobre muito do que questionou nos primeiros episódios. Mas ele ainda quer acreditar tanto na existência do paranormal (que se confirmou em vários episódios) quanto também na ideia de que o mundo receberá algo melhor do que aquilo que algumas conspirações querem para nós.Para acreditar que “a verdade está lá fora”, deve haver uma crença de que existe alguma forma de verdade no mundo ou fora dele. E isso dá frutos na série, porque os protagonistas mudam um ao outro para melhor. Eles têm suas próprias crenças, mas ao mesmo tempo, para Scully, a verdade pode estar em admitir que os discos voadores que ela viu várias vezes são reais. Para Mulder, a verdade pode estar em olhar para uma cruz e pensar “Talvez haja esperança”.A complexidade dos dois atinge o cerne do objetivo da série: o desejo de acreditar. O desejo de acreditar nas coisas, nas pessoas, na ciência, e, para algumas, em Deus. Isso está na essência do que significa ser humano. Queremos acreditar que mesmo sendo bombardeados com a escuridão da humanidade, algumas pessoas ainda podem ser luz. Queremos acreditar que temos importância e propósito neste mundo. Queremos acreditar que a arte pode nos libertar. Queremos acreditar que Deus irá nos salvar — ou que podemos salvar a nós mesmos.E é assim que Arquivo X, mesmo depois de 30 anos, continua a nos instigar a explorar a fé que nos sustenta, mesmo quando não é possível encontrar respostas absolutas às nossas maiores crenças de vida, sejam elas em Deus, em alienígenas, em fantasmas, em monstros ou na ciência.

A máfia no cinema: a violência, os homens e as mulheres

Originalmente publicado em: https://www.queridoclassico.com/2022/08/a-mafia-no-cinema-violencia-os-homens-e-as-mulheres.html

É extremamente previsível, principalmente na comunidade cinéfila, um homem dizer que seu filme favorito é O Poderoso Chefão (1972), Os Bons Companheiros (1990) ou até mesmo outros clássicos como Pulp Fiction (1994) e Scarface (1983). Essas obras são quase sempre citadas na lista de melhores filmes de todos os tempos.Mas é considerado comum uma mulher dizer que Era Uma Vez Na América (1984) é seu filme favorito da vida? Filme esse que contém mulheres sendo sexualizadas, violentadas e resumidas a par romântico do homem criminoso? Esse tipo de representação com as personagens femininas não é vista apenas no filme dirigido por Sergio Leone, mas sim em quase todos do gênero.Quando se trata da máfia no cinema, há muitas chances de nos deparamos com uma imagem mental de Robert DeNiro, Al Pacino e outros grandes astros interpretando latinos, estadunidenses ou descendentes de italianos querendo ter o respeito e o próprio legado no crime. Todos os protagonistas são homens e todos são violentos. Principalmente com seus rivais, geralmente sendo concorrentes de seus negócios ilegais (afinal, é a máfia, então é claro que a violência e o crime são fatores comuns, até mesmo necessários) e também, obviamente, com as mulheres, que costumam ser as esposas ou amantes desses protagonistas.AS MULHERES, A BELEZA E OS ABUSOSElvira Hancock (Michelle Pfeiffer) é uma personagem do filme Scarface, dirigido por Brian de Palma. Ela é conhecida principalmente por usar um vestido azul com um corte profundo no meio, destacando parte dos seios da protagonista. Isso acabou se tornando uma de suas marcas registradas.Apesar de ter uma personalidade forte e um grande potencial para ser uma mulher rica em desenvolvimento, no filme Elvira é apenas a namorada de Frank Lopez (Robert Loggia), que mais tarde se torna a esposa de Tony Montana (Al Pacino). Além de ser também um tipo de sex symbol do filme. Algumas mulheres nos filmes da máfia, às vezes fora desse gênero também, não passam disso. São somente um sex symbol.A menos que a mulher seja do tipo bela, pura e angelical. Um exemplo perfeito disso é a Deborah Gelly (Elizabeth McGovern) em Era Uma Vez Na América. A personagem também sofre abuso sexual do protagonista, David (Robert DeNiro). Ela é estuprada no carro e o ato está presente em uma cena desnecessariamente explícita e longa. Isso sem contar a primeira cena de estupro em um assalto ao banco.Nesse mesmo filme, há muitas mulheres que só estão ali para se prostituir ou levar tapas em seus rostos. Absolutamente nenhuma tem uma história que foge muito disso, apesar de Deborah ter um destaque maior por ser o interesse romântico de David desde a infância.Quando as personagens não são sexualizadas ou violentadas, elas são negligenciadas, simplesmente deixadas de lado pelos maridos. Esse tipo de representação acontece com Karen Hill (Lorraine Bracco), personagem de Os Bons Companheiros. Ela é a típica esposa e mãe que, apesar de estar ciente das diversas traições do marido, tenta manter a boa imagem de uma família tradicional e perfeita dentro e fora do lar.A ESPOSA EM O PODEROSO CHEFÃODe acordo com o crítico Fábio Rockenbach, a porta pode ser interpretada como uma metáfora muito presente na trilogia de Francis Ford Coppola. No primeiro filme, a porta que se fecha para Kay Adams (Diane Keaton), esposa de Michael Corleone (Al Pacino), demonstra que ela não tem lugar nos negócios da família, mesmo que antes disso Michael tenha prometido a ela que tal situação mudaria, pois diferentemente de outras personagens femininas presentes na trilogia, como Apollonia e Carmela, Kay nunca aceitou sua posição submissa.No segundo filme, Michael novamente fecha a porta a ela, como uma espécie de expulsar a própria esposa do núcleo familiar.Somente no terceiro e último filme que a situação muda por alguns instantes. Quem fecha a porta é Kay, deixando Michael sozinho em busca da sua própria redenção. Então ao final, sem ter nenhuma autoridade sobre a esposa, ao invés de fechar a porta, ele apenas se esconde, isolando Kay na Sicília.“Isso nunca vai ter fim” é uma das frases ditas por ela. Kay, já com uma idade mais avançada e tendo adquirido muita experiência ao lado do marido e da família Corleone, toma consciência de que não tem lugar dentro dos negócios e nunca terá. Sua situação nunca terá fim.Um outro detalhe interessante de analisar é o guarda-roupa da personagem durante a trilogia. No começo do primeiro filme, durante o casamento de Connie, Kay usa um vestido laranja acinturado, o que acaba a destacando entre as cores neutras e escuras dos demais convidados. Aliás, laranja e vermelho eram as cores preferidas da personagem.O colorido das roupas de Kay vai sumindo a partir do momento que o envolvimento com os Corleone aumenta, principalmente quando ela se torna uma mulher casada.A MASCULINIDADE DENTRO DA MÍDIA E DO CRIME"Sempre pensamos que os nossos heróis têm a ver com morte e guerra [...] raramente é uma jornada sobre amor. É sobre feitos que tem a ver com conquistar, dominar. E vivendo como vivemos, em uma cultura de dominação... escolher amar é heroico."A autora bell hooks aborda temas sobre homens, masculinidade e amor no seu livro The Will To Change e há dois capítulos da obra que podem se encaixar para complementar esta análise, principalmente se usarmos como foco o comportamento violento dos protagonistas.Resumidamente, no capítulo quatro, "Stopping Male Violence", ela explica que o comportamento violento dos homens é considerado natural dentro da psicologia do patriarcado. O abuso emocional e físico se tornaram um comportamento aceito nas relações homem-mulher, seja entre marido e mulher, pai e filha, irmão e irmã ou namorada e namorado.No capítulo oito, "Popular Culture: Media Masculinity", a autora explica como o cinema e a TV têm um papel muito importante na formação de um garoto. Ela deu o exemplo de um dos programas infantis mais populares da sua infância, que continha um subtexto sobre masculinidade, O Incrível Hulk. Era o programa favorito dos meninos das mais diversas classes sociais e raciais. O programa foi fundamental para ensinar a noção de que, para um homem, a força física (brutal e monstruosa) era uma resposta viável a todas as situações de crise.hooks considera Bruce Banner um símbolo de homem patriarcal supremo, pois ele é um cientista por formação (a personificação máxima do homem racional) e quando sente raiva, se transforma em uma criatura de cor e comete atos violentos. Depois de cometer a violência, ele volta a ser o homem branco racional. Ele não tem memória de suas ações, e portanto, não pode assumir a responsabilidade por elas. Além de que, por ele ser incapaz de formar laços emocionais com amigos ou familiares, ele não pode amar.Isso lembra alguns personagens além do Bruce, certo? Dentro dos filmes de crime não é diferente.Os protagonistas desses filmes costumam ser traficantes, empresários corruptos, ou seja, homens de negócios em um geral, por mais ilegais que esses negócios sejam. Então são homens racionais que levam o trabalho muito a sério. Eles desejam ter poder e uma marca dentro do crime. Usam a violência para terem o que querem, isso dentro dos negócios e dentro de casa (buscando respeito, buscando ser o homem e chefe da casa, assim como no trabalho) com as mulheres e crianças.A forma como o público adulto masculino adora e às vezes até mesmo defende e tenta se espelhar nesses personagens pode ser comparada com a situação das crianças querendo ser o Hulk.O cinema mostra um homem criminoso, poderoso, rico e que pode fazer o que bem entender. Além de ter uma mulher sexy ao lado sempre que desejar. Por isso, hooks defende a criação de uma cultura popular que afirme e celebre a masculinidade sem defender o patriarcado.Ela encerra o capítulo oito declarando que os meios de comunicação de massa, como o cinema, são um veículo poderoso para ensinar que isso é possível. Os homens e as mulheres devem criar uma cultura popular progressiva que ensinará aos homens como se conectar com os outros, como se comunicar, como amar.Por mais que os protagonistas declarem que estão perdidamente apaixonados e amando as mulheres que são seus interesses românticos, por que eles também são agressivos com elas? E por que isso não é discutido? Por que isso é simplesmente ignorado e normalizado dentro da comunidade cinéfila?O PÚBLICO FEMININO E MASCULINOVoltando ao questionamento do início: por mais não que seja impossível e muito menos incomum mulheres gostarem de filmes de gângsteres, é inevitável não afirmar que esses mesmos filmes são, na grande maioria das vezes, feitos por e para os homens. Os roteiristas e diretores pensam em maneiras de agradarem a si mesmos e ao público masculino.É difícil a possibilidade de ter passado na mente de algum diretor desses filmes as frases: "Será que as mulheres vão gostar dessa cena de ação em plano-sequência?", “Esse ângulo destacando o decote da personagem ficou bom, a mulherada vai se sentir representada”, “É muito necessário essa cena de estupro explícito no filme, acho que as mulheres não vão se incomodar” ou outras semelhantes. Eles mal desenvolvem suas personagens femininas, às vezes elas simplesmente não existem, ou quando existem são apenas para usar vestidos curtos e serem violentadas. Que o dirá pensar nelas como seu público, pensar se elas vão gostar do que veem na tela.Claro que há poucos casos a parte, principalmente no quesito de bom desenvolvimento das personagens. A trilogia O Poderoso Chefão, já citada anteriormente, é um exemplo disso. Mas se pensarmos e analisarmos em um parâmetro geral, o público feminino que gosta de filmes mafiosos é uma espécie de Kay Adams.As mulheres simplesmente não têm lugar nesses filmes, pelo menos não nos negócios. Elas são representadas como mulheres sexys, esposas ingênuas, obedientes, negligenciadas, traídas e/ou abusadas quando o protagonista está bravo porque os negócios ilegais não vão muito bem.Alguns homens podem afirmar que é apenas uma questão de mostrar "a realidade" dentro dessas histórias. Afinal, será que mulheres têm mesmo um lugar na máfia?Se procuramos a resposta nas obras clássicas e mais famosas do gênero, a resposta será não.